Sim, sou um dos otimistas que
acreditam que a Lei de Acesso à Informação é um significativo avanço em prol da
moralidade, uma vez que o melhor tipo de controle sobre os atos da
Administração Pública é aquele decorrente da iniciativa espontânea da própria população.
Não há dúvidas da importância deste instrumento. Não mesmo.
Toda a polêmica gira em torno de
uma parte do salutar decreto, o qual determina a divulgação da remuneração de
todos os servidores públicos federais, algo que já acontece há muito no Estado
de São Paulo e que foi alvo de reclamações por parte de associações e
sindicatos de servidores ao Supremo Tribunal Federal.
É aí que mora o problema. E o
direito à privacidade e à segurança destas pessoas, como fica?
Os defensores da proposta dizem
que é algo legítimo, pois, nas palavras do próprio ministro-chefe da
Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, “salário não é invasão da
privacidade, é informação de interesse público, porque é pago com dinheiro
público”. Alguns formadores de opinião vão mais longe, afirmando que o patrão
do servidor é o conjunto da população, tendo este o direito de saber quaisquer
informações relativas à remuneração de seus servidores.
As questões levantadas dos que
são contra a medida são, como já dito, a evidente perda de privacidade, a
violação à intimidade e à vida privada. Sem contar os possíveis riscos que estas
pessoas correriam ao ter suas remunerações abertas a qualquer um, inclusive a indivíduos
de má fé.
Não posso deixar de emitir minha
opinião mediante um tema tão intrigante.
Acho que mesmo que a divulgação destes
dados seja, em tese, algo que contribuiria positivamente para a sociedade,
creio que o princípio da publicidade não pode ser absoluto.
Para mim, esta parte do
dispositivo esbarra em princípios muito mais fortes e superiores. Ora, o
direito à privacidade e à própria segurança do indivíduo são garantias
individuais, cláusulas pétreas. Estes se relacionam com a dignidade da pessoa
humana, que é o postulado maior de todo o nosso ordenamento jurídico. O
servidor não é um ser inanimado, um órgão público; é um cidadão.
Caso isso pegue mesmo, daqui a
pouco não me estranharia a criação de uma nova lei determinando que a conta
bancária do servidor fosse aberta à sociedade, para que esta fiscalizasse e descobrisse
possíveis enriquecimentos ilícitos.
O que mais me irrita é a cega e
irracional reação de alguns jornalistas e formadores de opinião. Paladinos da
justiça (esse termo lembra algo?), querem saber os salários dos “servos” do
povo de qualquer maneira, mas muitos sequer possuem uma mínima noção de Direito
Constitucional. Como são simplistas! Tenho certeza que são os mesmos que
condenam a Justiça quando esta anula – corretamente – todo um processo provido
por meio de provas ilegais.
Mas não os culpo. Vivemos uma
crise moral tão grande, que quando há uma novidade dessas, todos vão com muita
sede ao pote, sem olhar para trás. Só nos resta esperar o STF decidir sobre o
tema. Espero que os ministros não sejam influenciados por um tal espírito
populista velado, que sinto pairar sobre o Planalto Central em tempos de CPI, Cachoeiragate
e julgamento do Mensalão.